Edyala Yglesias Comenta Miss Estramboli de Apoena Serrat
- Apoena Serrat

- 27 de mai. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de mai. de 2020
Edyala Yglesias é Cineasta, Pesquisadora e Doutora em Cinema pela Sorbonne- Paris3
Temas: Estudos Feministas, Identidades, Representação e Narrativas do Feminino.

Stromboli até hoje soava pra mim como uma referência ao título do filme de Rossellini.
O trabalho de Apoena sobre o Feminino alarga meu repertório cultural e simbólico com outro lugar narrativo. A busca em compreender o que é o feminino tem também direcionado meu trabalho como cineasta como pesquisadora como mulher brasileira e nordestina. Diário do convento e No coração de Shirley tem no centro mulheres de diferentes épocas e vivencias. Preparo atualmente livro resultante de minha tese de doutorado em torno do Feminino e da mulher imaginário no cinema.
A busca do Feminino não é nova para mim. Mas a visão que Apoena traz do feminino como dimensão de cada ser humano é instigante por sua tentativa de conciliar um paradoxo cultural. Como sabemos, as narrativas ocidentais se organizam por uma lógica binária e polarizada. Na construção da narrativa clássica ocidental presente no cinema de Hollywood e na cultura norte-americana que é, queiramos ou não, a cultura pop do planeta. E o mito que constrói essa narrativa é o olhar do homem branco, europeu e cristão. Esse olhar, sujeito das narrativas tem nos definido e classificado e contado nossas histórias. Somos o “outro” das narrativas e ocupamos esse lugar, o polo objeto destinado à exclusão.
Buscou-se dar uma aparência de base cientifica à existência desse “outro”. As mulheres foram as primeiras a representarem esse “outro”, a ocupar o polo objeto das narrativas.
Biologicamente diferente do homem, a mulher foi historicamente identificada com esse outro, a começar pelas narrativas bíblicas. Eva é o outro de Adão. Usa-se a “natureza” para naturalizar narrativas que são culturais, para transmitir valores de classes sociais como se fossem universais.
Em narrativas binárias e polarizadas como as patriarcais, o polo-sujeito para garantir sua posição se sente no dever de submeter todos os outros, de reduzir todas as diferenças pela visão excludente e violenta do olho-sujeito monopolizador do campo da criação.
O desejo e necessidade de mulheres como Apoena de CRIAR vem de longe e vem com força. Força represada desde as místicas da idade média que impedidas de exercer o poder criador, levitaram, sangraram em estigmas, e criaram uma escrita no próprio corpo, subvertendo a palavra do pai, representado pela Igreja, que levou milhões de mulheres à fogueira da Inquisição. Segundo alguns teóricos as místicas da idade média são as primeiras artistas da cultura ocidental.
Além do desejo de lutar contra essa violência contra o Feminino, seja ela física ou simbólica, nós mulheres brasileiras e nordestinas, contemporâneas, buscamos combater com nosso trabalho criativo os efeitos perversos da alienação e do colonialismo cultural que silenciosa e sutilmente marca nossos cotidianos nos impondo modelos de identidade alienígenas.
O processo criativo das mulheres na busca de se inventarem um lugar de olhar e de fala é um processo complexo e doloroso. Merece ser estimulado, ampliado, compreendido. Esse processo é fundamental para suscitar narrativas que representem o nosso universo Feminino, não de uma mulher imaginária, presente nos romances e nos filmes, mas originário, provocativo de narrativas que expressem nossas experiências.
Miss Estramboli para mim significa tudo isso.

Foto de Edyala Yglesias, convidada especial para colaborar na discussão da performance Miss Estramboli_o assassinato diário do feminino de cada Ser, na sessão realizada em 14 de janeiro 2020.
A temporada do Miss Estramboli fez parte da programação do Vila Verão do Teatro Vila Velha, e teve a participação de mulheres representativas nas discussões propostas pela obra.
O texto deste artigo é de autoria da cineasta e pesquisadora Edyala Yglesias.


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